sábado, 11 de agosto de 2007

A língua do pê
(Hélio Consolaro )


E você ainda se acha o máximo quando consegue dizer: "O Rato Roeu a Rica" ou "Roupa do Rei de Roma."?


A língua permite algumas brincadeiras, aliás, na sua função poética está também o lúdico. Brincar com as palavras é também compor um poema. Leia abaixo:
Pedro Paulo Pereira Pinto, pequeno pintor português, pintava portas, paredes, portais. Porém pediu para parar porque preferiu pintar panfletos. Partindo para Piracicaba, pintou prateleiras para poder progredir. Posteriormente, partiu para Pirapora. Pernoitando, prosseguiu para Paranavaí, pois pretendia praticar pinturas para pessoas pobres. Porém, pouco praticou, porque Padre Paulo pediu para pintar panelas, porém, posteriormente, pintou pratos para poder pagar promessas. Pálido, porém personalizado, preferiu partir para Portugal para pedir permissão para papai para permanecer praticando pinturas, preferindo, portanto, Paris. Partindo para Paris, passou pelos Pirineus, pois pretendia pintá-los. Pareciam plácidos, porém, pesaroso, percebeu penhascos pedregosos, preferindo pintá-los parcialmente, pois perigosas pedras pareciam precipitar-se principalmente pelo Pico, porque pastores passavam pelas picadas para pedir pousada, provocando provavelmente pequenas perfurações, pois, pelo passo percorriam, permanentemente, possantes potrancas. Pisando Paris, permissão para pintar palácios pomposos, procurando pontos pitorescos, pois, para pintar pobreza, precisaria percorrer pontos perigosos, pestilentos, perniciosos, preferindo Pedro Paulo precaver-se. Profundas privações passou Pedro Paulo. Pensava poder prosseguir pintando, porém, pretas previsões passavam pelo pensamento, provocando profundos pesares, principalmente por pretender partir prontamente para Portugal. Povo previdente! Pensava Pedro Paulo... Preciso partir para Portugal porque pedem para prestigiar patrícios, pintando principais portos portugueses. Paris! Paris! Proferiu Pedro Paulo.

- Parto, porém penso pintá-la permanentemente, pois pretendo progredir.

Pisando Portugal, Pedro Paulo procurou pelos pais, porém, Papai Procópio partira para Província. Pedindo provisões, partiu prontamente, pois precisava pedir permissão para Papai Procópio para prosseguir praticando pinturas. Profundamente pálido, perfez percurso percorrido pelo pai.

Pedindo permissão, penetrou pelo portão principal. Porém, Papai Procópio puxando-o pelo pescoço proferiu: - Pediste permissão para praticar pintura, porém, praticando, pintas pior.

Primo Pinduca pintou perfeitamente prima Petúnia. Porque pintas porcarias?

- Papai, - proferiu Pedro Paulo - pinto porque permitiste, porém, preferindo, poderei procurar profissão própria para poder provar perseverança, pois pretendo permanecer por Portugal.

Pegando Pedro Paulo pelo pulso, penetrou pelo patamar, procurando pelos pertences, partiu prontamente, pois pretendia pôr Pedro Paulo para praticar profissão perfeita: pedreiro!

Passando pela ponte precisaram pescar para poderem prosseguir peregrinando.

Primeiro, pegaram peixes pequenos, porém, passando pouco prazo, pegaram pacus, piaparas, pirarucus. Partiram pela picada próxima, pois pretendiam pernoitar pertinho, para procurar primo Péricles primeiro. Pisando por pedras pontudas, Papai Procópio procurou Péricles, primo próximo, pedreiro profissional perfeito. Poucas palavras proferiram, porém prometeu pagar pequena parcela para Péricles profissionalizar Pedro Paulo. Primeiramente, Pedro Paulo pegava pedras, porém, Péricles pediu-lhe para pintar prédios, pois precisava pagar pintores práticos.

Particularmente Pedro Paulo preferia pintar prédios. Pereceu pintando prédios para Péricles, pois precipitou-se pelas paredes pintadas. Pobre Pedro Paulo, pereceu pintando...

Permita-me, pois, pedir perdão pela paciência, pois pretendo parar para pensar... Para parar preciso pensar. Pensei. Portanto, pronto, pararei.

E você ainda se acha o máximo quando consegue dizer: "O Rato Roeu a Rica" ou "Roupa do Rei de Roma."?

ERRO DE PORTUGUÊS NÃO EXISTE

Escritor e lingüista denuncia o preconceito lingüístico e considera absurdo dizer que os brasileiros não sabem português

Flávio Lobo - Revista EDUCAÇÃO, n.º 26 -julho de 1999

O brasileiro sabe o seu português, o português do Brasil, enquanto os portugueses sabem o português deles. Nenhum dos dois é mais certo ou mais errado, mais feio ou mais bonito: são apenas diferentes um do outro."Nesse trecho de seu livro Preconceito lingüístico: o que é, como se faz, Marcos Bagno ataca a crença segundo a qual "brasileiro não sabe português e só em Portugal se fala bem português". Esse "mito" seria um dos pilares do que ele chama de "mitologia do preconceito lingüístico" – um conjunto de crenças equivocadas, responsável pela má qualidade e ineficiência do ensino do português nas escolas e pela dificuldade que muitos brasileiros têm no trato com a língua materna.

Para Bagno, o "erro de português" que amedronta, intimida e humilha tanta gente, simplesmente não existe. Haveria, na verdade, diferentes gramáticas para diferentes variedades do português. Cada uma delas perfeitamente válida em seu contexto. Todas merecedoras de respeito. Autor de livros para crianças, jovens e adultos, incluindo ficção e obras sobre língua e literatura, Bagno, que tem 44 anos, também é tradutor. Formado em Letras, com mestrado em Lingüística, fez doutorado em língua portuguesa na USP.

Desde a graduação, ele se interessou pela sociolingüística – disciplina que estuda as relações entre língua e sociedade – e pela revisão dos conceitos de "norma culta", "norma padrão", do que é certo e errado na língua. Estudos e revisões que, segundo ele, não têm sido acompanhados por muitos dos que se apresentam como especialistas no debate sobre o ensino e a situação da língua portuguesa no Brasil.De acordo com Bagno, existe uma "briga" entre dois grupos no campo das questões lingüísticas e gramaticais. Um é composto por lingüistas, verdadeiros especialistas no assunto. O outro seria o dos "puristas", defensores de uma tradição gramatical dogmática e anticientífica

"As pessoas que falam e escrevem sobre a língua na mídia em geral são jornalistas, advogados ou professores de português que não estão ligados à pesquisa, não participam do debate acadêmico, não estão em dia com as novas tendências da Lingüística – são os que eu chamo de gramatiqueiros", critica Bagno. Para ele, esses "pseudo-especialistas", ao tentar fazer as pessoas decorarem regras que ninguém mais usa, estariam vendendo "fósseis gramaticais", fazendo da suposta dificuldade da língua portuguesa um produto de boa saída comercial.Outro "mito" tratado no livro Preconceito lingüístico: o que é, como se faz é a idéia, bastante difundida, de que a língua portuguesa é difícil. Bagno afirma que a dificuldade de se lidar com a língua é resultado de um ensino marcado pela obsessão normativa, terminológica, classificatória, excessivamente apegado à nomenclatura. Um ensino que parece ter como objetivo a formação de professores de português e não a de usuários competentes da língua. E que ainda por cima só poderia formar maus professores, já que estaria baseado numa gramática ultrapassada, que não daria conta da realidade atual da língua portuguesa no Brasil.

Ele acredita que se, em vez disso, os professores se concentrassem no que é realmente importante e interessante na língua, se ajudassem os alunos a desenvolver sua capacidade de expressão e reflexão, não haveria tanta gente – depois de anos e anos de estudo – em pânico diante do desafio de escrever uma pequena redação no vestibular.

As críticas que faz à gramática tradicional não devem ser confundidas com um "vale tudo" lingüístico, explica Bagno. "No campo da língua, na verdade, tudo vale alguma coisa", assegura o escritor. Mas esse valor dependeria do contexto, de "quem diz o quê, a quem, como, quando, onde, por que e visando que efeito".Quanto ao ensino nas escolas, diz ele, a norma culta deve mesmo ser o principal objeto de estudo. O problema estaria na definição da norma culta a ser ensinada.

A "norma culta idealizada", que só existiria nas gramáticas, deveria ser deixada de lado para dar lugar à norma culta real – identificável na fala e na escrita atual da população culta do país.As diferenças entre a norma culta das gramáticas tradicionais e a norma culta real, de acordo com Bagno, não são tão grandes. Elas parecem mais freqüentes e profundas, segundo ele, por causa do esforço feito pelos "gramatiqueiros" para preservar seus "dinossauros lingüísticos". "Bastaria eles tirarem as teias de aranha da cabeça para verem que a língua portuguesa não se desintegraria caso eles a deixassem livre para seguir seu curso", ironiza.

Interpretação – Falando das regras que vão contra a evolução natural da língua portuguesa no Brasil, Bagno cita casos como o do verbo assistir: "O professor pode repetir mil vezes que assistir é transitivo indireto, que o aluno sai da aula e diz que vai assistir o filme em vez de assistir ao filme. Muitos jornalistas, por exemplo, que se esforçam para escrever e falar ‘certo’ dizem que um milhão de pessoas assistiram ao filme, mas logo se traem ao dizer que o filme foi assistido por um milhão de pessoas – sendo que um verbo transitivo indireto não admitiria essa forma passiva.

"Outro exemplo seria o famoso se de vendem-se casas. Para Bagno, os brasileiros interpretam esse se não como uma partícula apassivadora, mas como índice de indeterminação do sujeito. Uma interpretação, assegura ele, perfeitamente razoável e legítima. "Eu mesmo, em meus livros, só escrevo vende-se casas, ensina-se matérias e não deixo os revisores ‘corrigirem’.

Desuso – Ele também não vê como erro, mesmo para quem pretende se expressar na norma culta, formas como vi ele em vez de o vi e a substituição dos pronomes seu e sua por dele e dela sempre que se referem a ele ou ela. "O brasileiro só usa seu e sua, com naturalidade, para dizer que algo pertence a você.

"Outras formas, há muito em desuso, como o pronome vós, na visão de Bagno deveriam entrar na sala de aula apenas como uma curiosidade da história da língua, mencionadas como algo que os estudantes vão encontrar em textos antigos. "Não deveriam mais ser cobrados como parte do conhecimento ativo, prático, dinâmico da língua."Para que a língua seja ensinada de forma dinâmica, prazerosa e eficaz, precisaria ser entendida pelos professores como algo vivo em constante processo de evolução – e não de corrupção. Os professores de português precisariam ter uma postura similar à de um professor de biologia ou física, "que sabe perfeitamente que muito do que ele está ensinando hoje pode ser reformulado ou mesmo negado amanhã", defende Bagno.

Também é necessário, segundo ele, que o trabalho de identificação e descrição da norma culta brasileira atual, que está sendo feito por meio das pesquisas universitárias, sirva como base para a elaboração de gramáticas dirigidas ao ensino escolar e aos falantes da língua em geral. "É um trabalho que eu mesmo quero começar a fazer quando terminar o doutorado", planeja.Bagno considera indispensável o incentivo ao uso da norma culta, especialmente nas manifestações lingüísticas de maior importância e alcance sociocultural e nas que visem a comunicação entre as diferentes regiões do país. Mas, como escreveu no livro Preconceito lingüístico, "esse incentivo não precisa vir acompanhado do desdém, do menosprezo, da ridicularização das outras inúmeras normas lingüísticas que existem dentro do universo brasileiro da língua portuguesa."- -

(in revista Educação, Segmento, São Paulo, p. 26-28, julho de 1999)


sexta-feira, 11 de maio de 2007

Parece-me que o gênio de um poeta, em luta com a inspiração, devia arrancar do seio d'alma algum canto celeste, alguma harmonia original, nunca sonhada pela velha literatura de um velho mundo.
Digo-o por mim: se algum dia fosse poeta, e quisesse cantar a minha terra e as suas belezas, se quisesse compor um poema nacional, pediria a Deus que me fizesse esquecer por um momento as minhas idéias de homem civilizado. Filho da natureza embrenhar-me-ia por essas matas seculares; contemplaria as maravilhas de Deus , veria o sol erguer-se no seu mar de ouro, a lua deslizar-se no azul do céu; ouviria o murmúrio das ondas e o eco profundo e solene das florestas. E se tudo isto não me inspirasse uma poesia nova, se não desse ao meu pensamento outros vôos que não esses adejos de uma musa clássica ou romântica, quebraria a minha pena com desespero, mas não a mancharia numa poesia menos digna de meu belo e nobre país. Brasil, minha pátria, por que com tantas riquezas que possuis em teu seio, não dás ao gênio de um dos teus filhos todo o reflexo de tua luz e de tua beleza ? Por que não lhe dás as cores de tua paleta, a forma graciosa de tuas flores, a harmonia das auras da tarde ? Por que não arrancas das asas de um dos teus pássaros mais garridos a pena do poeta que deve cantar-te ?
ALENCAR, José de. Cartas sobre a Confederação dos Tamoios. Apud COUTINHO, A. Caminhos do pensamento crítico.Rio de Janeiro/Brasília: Pallas/INL, 1980. V.1 p.81
Como se constrói uma identidade social ? Como um povo se transforma em Brasil ? A pergunta, na sua discreta singeleza, permite descobrir algo muito importante. É que no meio de uma multidão de experiências dadas a todos os homens e sociedades, algumas necessárias à própria sobrevivência, como comer, dormir, morrer, reproduzir-se etc. , outras acidentais ou superficiais: históricas, para ser mais preciso - o Brasil foi descoberto por portugueses e não por chineses, a geografia do Brasil tem certas características como as montanhas na costa do Centro-Sul, sofremos pressão de certas potências européias e não de outras, falamos português e não francês, a família real transferiu-se para o Brasil no início do século XIX etc. Cada sociedade (e cada ser humano) apenas se utiliza de um número limitado de "coisas" (e de experiências) para construir-se como algo único, maravilhoso, divino e "legal" ... Sei, então, que sou brasileiro e não norte-americano, porque gosto de comer feijoada e não hambúrguer; porque sou menos receptivo a coisas de outros países, sobretudo costumes e idéias; porque tenho um agudo sentido de ridículo para roupas, gestos e relações sociais; porque vivo no Rio de Janeiro e não em Nova York; porque falo português e não inglês; porque, ouvindo música popular, sei distinguir imediatamente um frevo de um samba; porque futebol para mim é um jogo que se pratica com os pés e não com as mãos; porque vou à praia para ver e conversar com os amigos, ver as mulheres e tomar sol, jamais para praticar um esporte; porque sei que no carnaval trago à tona minhas fantasias sociais e sexuais; porque sei que não existe jamais um "não" diante de situações formais e que todas admitem um "jeitinho" pela relação pessoal e pela amizade; porque entendo que ficar malandramente "em cima do muro" é algo honesto, necessário e prático no caso do meu sistema; porque acredito em santos católicos e também nos orixás africanos; porque sei que existe destino e, no entanto, tenho fé no estudo, na instrução e no futuro do Brasil; porque sou leal a meus amigos e nada posso negar a minha família; porque, finalmente, sei que tenho relações pessoais que não me deixam caminhar sozinho neste mundo, como fazem os meus amigos americanos, que sempre se vêem e existem como indivíduos! Pois bem: somando esses traços, forma-se uma seqüência que permite dizer quem sou, em contraste com o que seria um americano, aqui definido pelas ausências ou negativas que a mesma lista efetivamente comporta. A construção de uma identidade social, então, como a construção de uma sociedade, é feita de afirmativas e de negativas diante de certas questões. Tome uma lista de tudo o que você considera importante - leis, idéias relativas a família, casamento e sexualidade; dinheiro; poder político; religião e moralidade; artes; comida e prazer em geral - e com ela você poderá saber quem é quem.
DaMATTA, Roberto. 1986. O que faz o brasil, Brasil ?Rio de janeiro: Rocco, p.16-17